sábado, 1 de dezembro de 2012

Surviving Progress [Sobreviver ao Progresso]

"Quando a história se repete,
o preço sobe..."
Olá! Nesse post, além de dar uma sugestão de documentário, também gostaria fazer algumas observações, apontando analogias do doc sugerido com alguns pontos de La Belle Verte. Vou me ater sobretudo à fala de Robert Wright (ver a tradução abaixo).
O doc é baseado no livro A Short Story of Progress, de Ronald Wright. Basicamente ele vai questionar o significado de progresso. Será que nós, enquanto humanidade, estamos progredindo? Ou, antes, o que é o progresso? Daí desembocaremos no que eu achei o mais interessante, que é o conceito de "armadilha do progresso", criado por Wrigth. Cair numa armadilha do progresso significa fazer algo que parece ser bom, parece ser um passo adiante, mas que na realidade não o é, podendo, na verdade, ser um retrocesso. O exemplo dos caçadores de mamute é muito interessante (ver trad.). Penso que o conceito pode ser usado para explicar o que acontece em La Belle Verte.
Os verdes perceberam, em determinado momento, que o seu "progresso" na verdade era uma armadilha. Ter uma produção gigantesca de eletrodomésticos, satisfazendo necessidades irreais criadas por um mercado, que fazem mal aos seres humanos e aos demais seres vivos, não é um progresso, é algo ruim. Daí começaram os boicotes, as pessoas se desfizeram desses aparatos. Podemos imaginar, pois, que a questão aqui se inverte. O repúdio ao que foi antes considerado progresso é, agora, de fato, um progresso, um progresso real. O que pensariam eles da genial criação da nossa evoluidíssima industria moderna, a obsolescência programada?
Se você pega as estatísticas de incidência de câncer no Brasil, por exemplo, o maior índice é o das regiões sul e sudeste. As principais causas apontadas para esses números são o consumo elevado de carne, sobretudo a carne cheia de hormônios de animais doentes, o tabaco e o modo de vida moderno, a urbanização, ou seja, poluição, má alimentação (comida sem nutrientes, com muitos agrotóxicos), falta de atividade física. Só isso pra mim já uma incongruência gigantesca, um absurdo. Eu fico pensando, que avanço é este? Aglomerar-se em cidades de concreto, barulhentas, cheirando à fumaça, é bom pra mim? É bom pro mundo? Isso é um progresso real? Após a era industrial os verdes entraram numa espécie de Iluminismo e começaram a mudar seu estilo de vida. Substituíram o concreto pelas plantas. Eles dormem sempre ao ar livre, eles não comem carne, não comem alimentos industrializados, e consomem os alimentos crus.
Robert W. também menciona a necessidade de se frear o crescimento populacional, que haja um manejamento mais cônscio da natalidade, muito embora isso toque em questões delicadas. Percebemos também essa questão em La Belle Verte, um vez que os verdes têm as “crianças de acordo com a colheita”. Ou seja, se a colheita foi boa eles têm filhos, do contrário, não. Sobre esse assunto recomendo um documentário, também da BBC, Quantas pessoas podem viver no Planeta Terra?.
Não quero me delongar muito, mas, antes, gostaria de fazer duas ressalvas quando a fala de R. W. A primeira delas diz respeito à nossa nossa similitude ao homem da idade das pedras. Quando ele nos compara aos hominídios desse período, parece excluir as mudanças ocorridas no período neolítico, que marca, entre muitas coisas, a nossa prática acentuada da agricultura e do cozimento de cereais. Percebi a importância dessas mudanças quando eu estava tentando entender o fato de que, apesar de sermos biologicamente onívoros, há uma forte tendencia a se acreditar que nossa dieta ainda seria predominantemente vegetariana, ou seja, somos mais vegetarianos que carnívoros. Essa tendencia teria aparecido mais recentemente, no período neolítico  junto com a agricultura, cerca de 12 mil anos atrás, e não há 50 mil anos atrás. Então seríamos filhos do neolítico e não da idade das pedras. Obviamente aqui estou analisando a dieta do ponto de vista físico, "biológico", se formos analisá-la do ponto de vista ético, ideológico, ou até espiritul para alguns, isso me leva, particularmente, ao vegetarianismo estrito e ao veganismo. Mas não há dúvida de que nosso comportamento inconsequente, egocêntrico, assemelhe-se em muito ao dos homens da idade da pedra. Creio que seja mesmo nesse sentido que se esta abordando o tema. Seríamos, pensando por esse viés, nada mais do que homens disfarçados de macaco (com todo respeito aos macacos), cuja fantasia é a nossa civilização. Isso me lembra uma bela animação baseada no Bolero, de Ravel, feita por Bruno Mozzeto, que mostra a evolução de uma gota de coca-cola em diversas espécies.
Outro ponto que me deixou apreensivo é o desfecho do filme, em que R. W. fala algo sobre “ir de encontro à nossa natureza animal interior [cuts against the grain our inner animal nature]”, para que possamos continuar nos desenvolvendo em civilizações. É lógico que não podemos seguir nossos instintos indiscriminadamente, é necessário que se contenham alguns impulsos para que haja um mínimo de convivência amigável entre nós e o planeta. Freud, nesse sentido, já matou a charada: “O preço da civilização é a eterna repressão.” (Freud via Leminski). Mas o próprio Freud, Reich e outros, apontam a repressão dos instintos, principalmente os sexuais, como causa de muitos problemas e patologias mentais de nossa sociedade e indivíduos. A civilização, portanto, reprimindo o instinto, tem criado muitos problemas. É preciso ter cuidado quanto a essa repressão. Mas o que achei mais problemático, na verdade, é o objetivo de “ir de encontro a natureza”, a própria civilização. Pra mim isso não ficou muito claro. Ele sugere que a civilização é um processo falido e continua a insistir nela? Com o perdão do jogo semântico, dominar nossos instintos estaria mais ligado à civilidade do que a civilização. Eu sou mais favorável à civilidade do que à civilização. Ao relacionamento respeitável dos humanos com eles mesmos e dos humanos com os outros seres vivos. Favorável a uma volta a um modo de vida mais conectado à natureza, mais comum e harmônico. E com menos cidades!

"Cidades novas
a terra
envelhece depressa" 
(Alice Ruiz) 

Mas não precisamos, claro, esquecer todos os truques que aprendemos, afinal de contas, sem o mínimo de tecnologia não somos seres humanos, sem fogo, roda e lança, por exemplo. O que não acho certo é “sujarmos tudo de humano”, com nossas máquinas tomando o lugar dos demais seres vivos, em práticas especistas e antropocêntricas, devastando o meio-ambiente, destruindo a bio-diversidade, tudo isso para satisfazer, repito, necessidades irreais de uma "felicidade programada".
Creio que os verdes, finalizando, trocaram a civilização pela civilidade, o artificialismo pelas potencialidade naturais, a sujeição pela compaixão. Mas sem uma visão maniqueísta, bom ou mal, tudo ou nada. Eles não obliteraram seus avanços tecnológicos, as luzes apenas passaram a iluminar de outra maneira. Eles trocaram o foco.

por Júnior Vidal

REFERÊNCIAS:

ANDRADE, C. Drummond. As impurezas do branco, 1978. "Felicidade programada", trecho do poema "Entre Noel e os índios".
LEMINSKI, Paulo. O Boom da poesia fácil. In Anseios Crípticos, 1986.
PESSOA, Fernando. O eu profundo e outros eus. "Sujarmos tudo de humano”, alusão ao poema "Hora Absurda".
RUÍZ, Alice. Navalhanaliga, 1980.
Incidência de câncer e modernidade: http://www.saomarcos.org.br/web/noticia/2012/01/17/regiao-sul-tem-maior-incidencia-de-cancer-no-pais-segundo-inca-617.html
http://noticias.universia.com.br/ciencia-tecnologia/noticia/2005/07/29/469162/mundo-sofre-mais-cncer.html
http://portalsbu.com.br/index.php?sec=mostra&id=16&/vida-moderna-estimula-casos-de-cancer
Revolução Neolítica e alimentação: http://reginaldobatistasartes.blogspot.com.br/2011/03/revolucao-neolitica-e-alimentacao.html
http://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_human_evolution
http://evolvinghealthscience.blogspot.com.br/2009/08/hemochromatosis-neolithic-adaptation.html
Sexo e Civilização: http://en.wikipedia.org/wiki/Civilization_and_Its_Discontents

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O trailer com legendas em português:

Você consegue o doc, com legendas em inglês, aqui.
Aqui uma versão com legendas em português: http://vimeo.com/56217994#at=500
Link para o filme no docverdade: http://docverdade.blogspot.com.br/2013/02/surviving-progress-sobrevivendo-ao.html


Tradução nossa de todas as falas de Ronald Wright presentes no filme:

[2:00] Ao definir progresso, eu penso que é muito importante fazer uma distinção entre bom e mau progresso. Ou seja, as coisas progridem no sentido em que elas mudam. Tanto na natureza como nas sociedades humanas parece haver uma clara tendência em direção a um aumento de complexidade como um procedimento de mudança. Nós tendemos a nos iludir de que essas mudanças sempre resultam em melhorias, do ponto de vista humano. Nós estamos agora chegando a um ponto em que o progresso tecnológico e o crescimento das nossas economias e de nossa população ameaçam a existência da humanidade [...]. 
[5:39] Eu apareci com o termo "armadilhas do progresso" [progress trap] para definir comportamentos humanos que parecem ser uma coisa boa, parecem prover benefícios a curto prazo, mas que no final levam ao desastre, porque são insustentáveis. Um bom exemplo nos remete a idade da pedra, quando nossos ancestrais estavam caçando mamutes. Eles alcançaram um ponto em que seu armamento e suas técnicas de caça ficaram tão bons que eles destruíram a caça como meio de vida em quase todo o mundo. As pessoas que descobriram como matar dois mamutes ao invés de um fizeram um progresso real, mas as pessoas que descobriram que podiam comer realmente bem empurrando uma manada inteira de mamutes penhasco a baixo, matando 200 cabeças de uma só vez, caíram numa armadilha do progresso. Eles fizeram muito progresso. Fisiologicamente, nosso corpo e nossa mente, tal qual como os conhecemos, mudaram muito pouco nos últimos cinquenta mil anos. Nós temos vivido numa civilização apenas nos últimos cinco mil anos. Isso é menos do que 0,2 por cento da nossa história evolutiva. Então, nos outros 99,8 por cento, nós fomos caçadores-coletores. E esse é o meio de vida que nos moldou. Nós somos, essencialmente, as mesmas pessoas que aqueles caçadores da idade da pedra. O que nos faz diferente deles é que a cultura decolou a um taxa exponencial e se tornou completamente distante do ritmo da evolução natural. Então nós estamos executando um software do século 21 - nosso conhecimento - num hardware que não tem sido atualizado há 50 mil anos, e nisso repousa o cerne de muitos de nossos problemas. Tudo isso porque nossa natureza esta na era dos caçadores-coletores da idade da pedra, enquanto nosso conhecimento e tecnologia, em outras palavras, nossa habilidade em fazer bem ou mal a nós mesmos e ao mundo em geral, cresceu fora de toda proporção […].
[15:28] Entre a queda do império romano e as Grandes Navegações sucederam-se 13 séculos para se somar 200 milhões de pessoas à população mundial. Agora leva apenas 3 anos. Uma coisa simples como a pasteurização, o aquecimento do leite para que as bactérias morram, e o controle da varíola, coisas como essas levaram a um grande boom no número de humanos. Então a superpopulação, coisa sobre a qual ninguém realmente quer conversar, porque ela toca em temas como crenças religiosas, liberdade individual e a autonomia da família, e por aí vai, é algo com que nós estamos tendo que lidar. Nós provavelmente temos que trabalhar na direção de uma população mundial menor do que 6 ou 7 bilhões de pessoas. Provavelmente temos que chegar a metade disso, ou, possivelmente, a um terço – se todo mundo for viver confortavelmente e decentemente. O outro lado desse problema, e talvez o mais perigoso, são as "pegadas" dos indivíduos no topo da pirâmide social, que estão consumindo mais. Alguém nos Estados Unidos ou na Europa esta consumindo cerca de 50 vezes mais recursos que um indivíduo de classe baixa num lugar como Bangladesh. Se a China atingisse o nível de consumo, vamos dizer, semelhante ao dos Estados Unidos ou da Europa, o mundo não suportaria um acréscimo de um bilhão de consumidores desse nível [...]. 
[25:30] Algumas pessoas tem escrito sobre capital natural, o capital que a natureza provem, que é o ar puro, a água limpa, as florestas preservadas, a terra cultivável, os minerais, o petróleo, os metais. Todos esses recursos são o capital que a natureza tem oferecido. E até meados dos anos 1970 a humanidade foi capaz de viver com o que nós podemos chamar de juros sobre esse capital, o excedente que a natureza é capaz de produzir. A comida que o cultivo propicia sem, de fato, degradar a terra, o número de peixes que se pode extrair do mar sem esgotar o estoque de peixe. Mas, a partir de 1980, nós temos usado mais do que o “juro”, então nós estamos, com efeito, como alguém que pensa que é rico porque esta gastando o dinheiro que lhe foi deixado como herança, não gastando os juros, mas comendo dentro do capital […]. 
[28:17] Nós ainda somos o caçador da era glacial, ele ainda esta dentro de nós. Esses caçadores antigos, que pensavam que sempre haveria outra manada de mamutes na próxima colina, compartilham o mesmo otimismo do negociante de ações, crente de que haverá sempre uma nova grande “matança” [killing = grande lucro repentino, na terminologia do mercado acionário] no mercado acionário nas próximas semanas. Se você observa a terra, digo, pelos últimos 5, 6 mil anos, e você roda o filme, o que você vê são civilizações irrompendo como queimadas florestais, de um ambiente inexplorado a outro. E depois de uma civilização surgir e consumir os recursos naturais daquela área, então ela se dissipa e outra queimada se irrompe em algum outro lugar. E agora, é claro, nós temos uma enorme civilização em todo o mundo, à qual nós devemos confrontar a possibilidade de que a experiência da civilização como um todo é, em si, uma armadilha do progresso […].
[30:53] A fé no progresso tornou-se uma espécie de fé religiosa, um tipo de fundamentalismo, um pouco como o fundamentalismo de mercado que simplesmente se esgotou nos últimos dias. A idéia de que você pode remanejar rapidamente o mercado é uma ilusão, assim como a idéia de que você pode incrementar a tecnologia e esta vai resolver os problemas criados, por si mesmos, numa fase imediatamente anterior. Isso tem se tornado uma crença bastante similar à ilusão religiosa, que fez algumas sociedades se esgotarem no passado […]. 
[33:10] O colapso parece ter sido estreitamente relacionado à devastação ecológica, o que leva a todo o tipo de problemas, sociais, econômicos, militares. Nos primeiros estágios da República Romana você tinha um razoável sistema de distribuição de terras, o camponês tinha acesso à terra pública. Mas quando o Estado Romano tornou-se mais poderoso e os senhores e generais começaram a apropriar-se de terras públicas pra criar seus próprios estados privados, mais e mais camponeses tornaram-se “sem terra”. Ao mesmo tempo, a erosão foi um problema sério, tão ruim que alguns portos assorearam com toda a terra arada enxurrada para dentro dos rios. Os arqueologistas puderam estabelecer o quão degradada estava a maior parte da Itália na queda do império romano, e como levou mil anos, com uma população mais reduzida durante a idade média, para reconstruir a fertilidade naquela região […]. 
[37:30] Eu li pichado num muro em alguma lugar que toda vez que a história se repete, o preço sobe. Se você olha para a crescente complexidade da civilização, o que você pode ver com relação ao final do período clássico Maia, por exemplo, é um enorme esforço aplicado em construir palácios e templos que eram controlados unicamente pela nobreza, e de onde, podemos imaginar, o campesinato era excluído, assim como o cidadão comum é, hoje em dia, excluído de muitos condomínios fechados em muitos países. E também, podemos imaginar, portanto, que muitas pessoas da base social estão cada vez mais desencantadas dos governantes, uma vez que sentem quebrado o contrato social que outrora existiu - que os governantes eram os mediadores entre os Deuses e eles próprios e poderiam ajudá-los a ter um bom clima e uma boa colheita, e tudo isso - quando eles perceberam que começaram a quebrar, e os governantes na verdade perderam o contato com aqueles os quais foram designados para representar. Penso que esse é um percurso que podemos ver hoje no mundo moderno […]. 
[57:30] Todas as civilizações do passado, e penso que a nossa, apenas parecem estar se saindo bem quando elas estão expandindo, quando a população esta crescendo, a produção industrial esta crescendo, e quando as cidades estão se estendendo. Finalmente atingiu-se um ponto em que a população invadiu tudo. As cidades se expandiram sobre as terras de cultivo. As pessoas da base começaram as passar fome e as pessoas do topo perderam sua legitimidade. E quando você tem fome, você tem revolução […]. 
[1:19:30] Eu penso que o que nós estamos confrontando aqui é a natureza humana. Nós temos que nos reformular, refazer-nos novamente, ir, de certa forma, de encontro a nossa natureza animal interior, e transcender esse caçador da era glacial que todos nós somos, quando é removida a fina camada da civilização. Nós temos sido sempre os pioneiros dessa experiência, nós a desatamos, mas nunca a controlamos, porém, agora, é bem provável que experimentemos um amargor, em função dos problemas ambientais. Se isso acontecer, então seria muito natural dizer que “o experimento da civilização é um experimento evolucionário falido”, que tornar os símios mais espertos é uma sentença de morte. Então cabe a nós provar que a natureza esta errada, mostrar, nesse sentido, que nós podemos tomar o controle do nosso próprio destino e que podemos nos comportar de uma maneira mais sábia, que abranja a continuidade do experimento da civilização.

"Onde há fome, há revolução..."

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